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Afrodengo

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Sobre escrevivências, amores e pessoas

Eu escrevo desde criança. Colecionava diários. Escrevia sobre sonhos, desejos e amores. Eu tinha muitos amores. Escrevia cartas que nunca seriam entregues e outras que foram entregues e lidas. Para uns era um simples pedaço de papel que seria rasgado e para outros paixões de uma menina boba. Meus amores platônicos viravam enredos e livros de amor.

A mãe de uma amiga achou minhas agendas da época da escola no lixo e as guardou. Disse que aquelas lindas palavras não poderiam ser esquecidas. Ainda não tive coragem de ir buscar. Lembrei de como as colegas da escola faziam fila para ler minhas teorias da vida, sobre o amor e como eu decorava as agendas-livro.

Cresci e as palavras ainda continuam em mim. Os amores continuam em mim. Nas poesias do Afrodengo. Nos afetos construídos diariamente. No nome da minha família Ifé. Esse amor me tornou jornalista. A moça da comunicação. As palavras são meu combustível!


Há algum tempo venho entrevistando e escrevendo sobre os projetos de outras pessoas. Estética, línguas, cultura, ancestralidade, casamento, terapias e sonhos concretos. Eu escrevo sobre amores. Os amores das outras pessoas. Esses amores que construímos dentro de nós. Aqueles sonhos que a gente guarda na mala e torna nossa caminhada. Aqueles sonhos que nem sequer recordamos de como começou. A minha tarefa é mexer nessas memórias, de lembrar que antes de você ser o que é, alguém lá atrás faz parte desse ser. Pessoas que te inspiram e são mais do que artistas de tevê que você venera. São as pessoas da sua vida.

Eu trabalho com as palavras. Com a essência das pessoas. Eu trabalho com a audição, com o olhar, o olfato, os sentidos. Uma entrevista é a permissão para entrar na sua morada. Eu escrevo sobre amores. Eu fujo à técnica das palavras, eu escrevo sentires e como bem lembrou Conceição Evaristo: escrevivências.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Favela como território de afeto

E aqui tem pintor e tem pedreiro 
Tem médico e engenheiro 
Tem igreja e terreiro
Os tiozinho no bar e breja gelada 
Um paraíso erguido com muita força e garra 
A vista daqui da lage nenhum dinheiro paga

“Ele está gripadinho, não é? Vou mandar minha filha levar folha de mastruz e você bate com leite”. Depois de uns minutos a menina estava me chamando no portão. Fiz a mistura e como na época amamentava tomei e dei a Ifé, meu filho (era menor de um ano).

Isso não aconteceu na cidade de Cachoeira ou em outro interior da Bahia. Aconteceu em Salvador, onde moro. É notório como os espaços urbanos aproximam e distanciam pessoas. Em cidade grande as relações são diferentes e os afetos são mínimos ou restritos. Receber uma folha para curar uma doença de meu filho, presente de uma tradição popular fez eu me sentir parte deste lugar.

Vista do alto do Eng. Velho da Federação.
Foto: Átila Colin
Engenho Velho da Federação foi onde escolhi para viver. Bairro popular que guarda um rico acervo de templos de matriz africana, grandes personalidades negras e inúmeras histórias. Em meio a guerras e o terror que a mídia mostra na televisão, é o meu espaço de afeto.

Crianças na porta fazendo barulho, brincando de sete pedrinhas, futebol e pula cordas. Um som na porta de casa, uma breja, dança, pagodão e risos sem fim. O brother vindo me avisar que “hoje tem paredão”, a vizinha gritando lá da esquina “Ifé, venha cá” e me oferecendo um prato de feijão, me marcando naquela postagem hilária no facebook e o convite para ir ao aniversário no final de semana. Este é meu espaço de afeto.

Considerada como um território com ausência de urbanidade e sem civilidade, a favela é vista de forma marginalizada. De acordo com o Censo de 1990 do IBGE era definida como “aglomerados subnormais” e devido as condições de formação e estruturação desses espaços, como ausência de necessidades básicas de saneamento, vista como “fora da cidade” ou o avesso dela. Eu defino a favela como um território afetivo e dentro da historicidade de formação desses espaços, vejo como “quilombos urbanos”. Espaços com população majoritariamente negra que cuidam uma das outras e formam redes de apoio estratégicas, que perpassa também pelo viés do crime organizado.

Território e pertencimento

Nós pertencemos a um território. Quando nos perguntam “de onde você é?” nossa resposta guarda o que somos a partir de onde viemos. Esse pertencimento Milton Santos chama de “território usado”, definido como “objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado”.  Espaço onde pensamos e vivemos as relações sociais. Trazendo esse conceito para a favela falamos dos sujeitos que aqui vivem e os laços de afeto construídos, os saberes, personagens e histórias, comunicação, sonhos e paixões.

Não sei se é aqui que quero permanecer, mas aqui me construo com meu filho. Quando o vejo correr com as outras crianças e viver uma infância livre, diferente de tudo que imaginei encontrar em Salvador é pensar que este território de afeto ajuda a construir novos sujeitos e relações humanas mais saudáveis. Favela não é só tristeza, guerra e dor. A favela é um território incrível.

Referências

BARBOSA, Jorge Luiz; SILVA, Jailson de Souza e. As favelas como territórios de reinvenção da cidade. Link de acesso: file:///C:/Users/lorena%20ife/Downloads/9062-31868-1-SM.pdf 

COLIN, Átila. Engeveliano. Link de acesso: https://soundcloud.com/atilacolin/attila-colin-engeveliano-1

SANTOS, Milton. O retorno do território. Link de acesso: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal16/D16Santos.pdf

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Como os perfumes artesanais mudaram a minha vida

- Hummm...cheirinho de patchouli. 
- Sou eu!, disse.
***

Falei sorrindo com os olhos. O rapaz começou a contar como aquele aroma fazia despertar uma memória afetiva da infância de quando sua mãe lavava roupa e eu percebi como os aromas despertam sensações em nós. Outro dia, sentada conversando com minhas vizinhas, uma delas falou: “que cheiro de folha”. Em outro momento, depois de um dia exaustivo de trabalho e suor alguém me abraçou e disse: “que cheirosa!”.

Quem não gosta de se sentir perfumada? Quem não gosta de um bom aroma na casa, nas roupas, no cabelo e corpo? Há 3 mil anos os egípcios sabiam da importância dos aromas e há cerca de quatro anos eu aprendi a criar uma nova relação com os perfumes. Como assim? Senta aí que vou te contar minha história com os aromas.

Perfume Senhora das Águas da marca
de cosméticos Ewé Alquimias
Foto: Rreprodução ewealquimias.com
Eu sempre amei perfumes, fazem parte da minha vida. Gostava dos mais doces, usava os produzidos industrialmente pelas grandes marcas de cosméticos que você conhece. Ainda adolescente desenvolvi uma alergia na pele proveniente de cosméticos como perfumes, hidratantes e sabonetes. A pele reagia com manchas e coceira intensa descoberta após teste alérgico e tratada.

Parar de usar perfume, como assim? Tive que lidar com essa surpresa. Logo eu, “a dona da Chanel” (hahaha). No início aplicava nas roupas, mas algumas peças manchavam e com o tempo fui eliminando-o da minha vida. O bom disso tudo é que passei a redescobrir meu próprio cheiro - que é único - e buscar novas formas de me perfumar.

Perfumes artesanais

Em 2014 tive o contato com o primeiro perfume artesanal que ouvi falar na minha vida, o perfume sólido Gabriela da Ewé Cosmética Natural (clique aqui e conheça). Poder usar um perfume na pele cerca de dez anos depois? Sim, tornou-se possível quando testei e minha pele aceitou. Me redescobri dentro daquele cheiro da cravo, canela, frutas e flores feito pelas mãos da artesã e farmacêutica Mona Soares. Uma mistura afrodisíaca que me transformou por dentro e fora e me fez acreditar que eu poderia reinventar meus cheiros. Uma pitadinha atrás das orelhas, no pescoço, nos pulsos e entre os seios dessa alquimia afrodisíaca já é o suficiente para atrair pessoas, olhares, sorrisos e ouvir palavras como: “nossa, como você está cheirosa!”.

A partir daí tive a certeza que seria possível eu voltar ao mundo dos aromas sem dor. Perfumes, sabonetes, óleos vegetais e cremes de pentear artesanais passaram a fazer parte da minha rotina de cuidado com o corpo. Contei sobre essa experiência aqui no blog (clique aqui).

Perfume Botânico em Òleo Aqualtune da Hawa (clique aqui)
Foto: Reprodução Hawa Saboaria e Aromaterapia

A primeira frase que reproduzi logo no início do texto foi quando usei o perfume em óleo Aqualtune, da Hawa Saboaria Natural e Aromaterapia. Onde chego as pessoas notam, tipo aquele rastro de aroma que estávamos acostumadas a ver nos desenhos animados (sim, existe! hahaha). A artesã da Hawa, Isis Carvalho, me deu uma aula alquímica sobre a produção do perfume que não vou saber explicar, mas você pode saber mais clicando aqui. Deixa eu te contar que a "beesha" é tão poderosa que faz fragrâncias personalizadas (clique aqui e conheça)!

Esses aromas mudaram a relação do que uso no meu corpo. Produtos produzidos pelas mãos de duas mulheres negras e baianas que elaboram suas alquimias pensando no bem estar e satisfação das clientes. Fragrâncias que mexem com nossa memória afetiva, trazem benefícios terapêuticos e são um convite para o bem estar.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

As mães negras precisam ser cuidadas

Nós, mães negras, ouvimos o tempo todo que precisamos ser fortes. Nos comparam a bichos, suportamos humilhações, damos conta de uma prole, casa e casamento, não precisamos de anestesia, fazemos “barraco” pelos filhos/filhas e pelo marido, não podemos adoecer.

Texto do site Não Estamos Bem

Foto: Ayalla Decker | Projeto Flores do Sol

Uma mãe ficou sete dias sem comer nada, sem sentir fome. Uma outra não aguentava ouvir o choro do bebê, parecia que ia enlouquecer. Uma sentia muita dor depois episiotomia e foi traída pelo marido. A outra chorava porque não conseguiu tomar um banho naquele dia. Uma teve seu peito dilacerado pela amamentação. Outra levantou sozinha da maca do hospital, cheia de pontos da cesárea, porque sua filha estava aos berros e a enfermeira dizia da porta “vai deixar a filha chorando, mãe?”. Todos esses relatos são reais, todas elas cuidaram de seus bebês, foram fortes. Mas quem cuidou delas?

Quando meu filho nasceu estava aliviada. Minutos depois queria que ele sumisse da minha frente, me senti exausta. Não conseguia amá-lo, contemplá-lo e mesmo com toda dor tive ao amamentá-lo, meu instinto materno o alimentava. Ele precisava de mim e isso bastava. Depois de alguns dias o amor foi nascendo. Fui aprendendo a amá-lo, fui entendendo o sentido do amor incondicional. Ao mesmo tempo tudo em mim parecia confuso.  A mulher que eu era morreu completamente, mas a que nasceu parecia invisível. Ninguém nos vê. Ninguém nos ama. Ninguém cuida de nós. Certa vez li um texto e essa frase nunca mais saiu da minha cabeça: “a gente precisa salvar a criança e a mãe”. 

Me sentia em um quarto escuro e frio a cada crise depressiva, me perguntando porque para mim era tão difícil. Eu nunca consegui ser forte, sempre fui chorona, sempre mendiguei afetos e agora tinha que aprender tudo isso. Eu sentia muita raiva de mim. Ficava desesperada quando lembrava que minha vizinha negra teve nove filhos, hoje todos adultos. Me dava angústia quando sabia que um bebê nasceu, pois só pensava no quão poderia ser difícil para ambos. Sentia inveja quando via uma mãe feliz na rua dizendo que era tudo maravilhoso. Chorava de tanta dor. Não era uma dor física, era uma dor que não sabia explicar. Tudo doía e lá fora diziam: “não foi você que procurou?”, “eu te avisei”, “você ainda não viu nada, hahaha”.

Seja forte, mãe! 

Nós, mães negras, ouvimos o tempo todo que precisamos ser fortes. Nos comparam a bichos, suportamos humilhações, damos conta de uma prole, casa e casamento, não precisamos de anestesia, fazemos “barraco” pelos filhos/filhas e pelo marido, não podemos adoecer. E assim perpetuamos isso em casa quando batemos por amor, quando chorar é motivo de mais surras, quando nosso amor grita e oprime.

Será que ninguém consegue perceber que as mães negras precisam ser cuidadas? Que não é só a criança que precisa de um colo? Que a força que nos faz defender a cria é a mesma que nos afasta, porque não fomos e não aprendemos a ser amadas? Por que quando vejo a minha vizinha gritando com as filhas isso me dói tanto? Será que ela não as ama ou será que é mais fácil julgá-la e dizer que escolheu essa vida? Será que a afetividade dela não foi também usurpada? Quem cuida de todas elas?

Buscar ajuda

Quando li o texto de bell hooks, “Vivendo de amor”, entendi porque precisamos ser cuidadas de verdade. As mulheres negras precisam de amor (dar e receber) ou nas palavras de hoje, sororidade.

Na maternidade nos tornamos invisíveis, nossa saúde emocional é negligenciada, vista como frescura, resultado daquilo “que procuramos”. Não existe depressão, estresse ou ansiedade. Temos que secar a barriga o mais rápido possível e ficar bonitas para nosso companheiro, passear com os filhos, receber as visitas sorrindo e feliz. Não podemos chorar, ficar impotentes se um filho nosso sofre racismo, não podemos abraçá-lo, mas mostrar que somos fortes e dizer “algumas verdades”. Adoecer não pode! Quem vai cuidar de tudo?

Em seu texto, bell hooks diz que quando sentimos confusão, dor e não sabemos o que fazer, devemos procurar ajuda. Mas aí a gente para e pensa: “não”.  Não podemos procurar ajuda, temos que carregar o fardo da maternidade que é nossa responsabilidade e ser forte. E hooks nos dá uma lição para a vida: “Ter capacidade de pedir ajuda significa que temos poder. Cada vez que buscamos ajuda nosso poder aumenta, ao invés de diminuir. Experimente. Geralmente buscamos ajuda em momentos de crise. Mas podemos evitar a crise se reconhecermos nossa dificuldade em lidar com uma determinada situação. Para as mulheres negras acostumadas a manter o controle das situações, pedir ajuda pode significar a prática do amor, da confiança, reconhecendo que não precisamos resolver tudo sozinhas”.

Confesso, estou fazendo esse exercício de pedir ajuda e me permitir ser ajudada. A maternidade não deve ser solitária, temos que trabalhar no coletivo, todos podem assumir responsabilidades com a cria. A vizinha, a avó, o avô, o amigo que já perdeu noites na festa com você, uma mulher que está disposta a ajudar, a sociedade, que é responsável pela construção desse ser. E digo mais, além da criança, precisamos cuidar da mãe.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Dentro da mãe existe uma mulher


Quando nasce uma criança, morre uma mulher. Todas as atenções estão voltadas para o ser que chegou: “Cadê o bebê?”, “E o bebê?”, “Saiu sem o filho?”. Sinto falta de algumas perguntas do tipo “Como você está?”, “Está tudo bem de verdade?”, “Quer que eu fique com você hoje?”. Ninguém se preocupa com a mulher que morre, suas dores e seu lamento. O que importa agora é que existe alguém para alimentar, para rir e se dedicar. E a mulher que morreu onde fica?

Antes a rotina era um cronograma capilar ou um penteado diferente. Hoje um creme de pentear com água ou um turbante bastam. A preocupação era o batom, o rímel para deixar os cílios volumosos, a roupa mais tombamento e o paquera que iria encontrar na rua. Mas o batom não cabe mais na bolsa porque tem que levar água, as fraldas, a toalhinha. A roupa mais importante é a que dá para amamentar. Ninguém te olha. Nem os paqueras existem mais.

Aquela mulher morreu. Foi embora depois que acordei e vi aquele serzinho deitado ao meu lado na cama. Morreu quando eu estava cansada demais para fazer sexo e invisível na rua, mesmo estando sem ele nos meus braços. Ninguém quer saber da dor de uma mãe, do cansaço e solidão. Temos que pagar o preço de tudo que foi gerado dentro de nós.

Às vezes só um colo me bastava. Só um banho prolongado no chuveiro ou poder fazer uma fitagem no cabelo sem me preocupar se o bebê vai acordar e chorar. Às vezes um “E aí, tudo bem?” ou um beijo de bom dia acompanhado de “Como você é linda!” - mesmo com as olheiras de panda.


Quando uma criança nasce, morre uma mulher. Morrer também é nascer. Nasce uma mãe. E que mãe! Mas ela também chora, quer voltar no tempo, dormir ou apenas ficar sozinha cinco minutinhos. A mãe também quer que aquela mulher renasça, mesmo sabendo que isso vai lhe custar tempo. Apenas parem de julgar a mãe! Nós precisamos mesmo é de amor e que – mesmo que de vez em quando – você lembre que existe uma mulher aqui dentro. Sabe o que a mulher aqui dentro desejaria para hoje? Um orgasmo bem gostoso e rir sem parar sem saber se o bebê vai acordar. 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Porque optei por usar cosméticos e produtos naturais no cabelo

Meu cabelo antes da gravidez. Nessa epoca já usada as técnincas No Poo e Low Poo

Há cerca de dez anos mantenho meu cabelo natural, livre de químicas que modifiquem a fibra capilar e textura, como alisantes. Nesse processo de transição descobri como ele é e quais melhores formas de deixá-lo bonito e saudável. 

Quando iniciei, poucas linhas de produtos da indústria de cosméticos eram direcionados a cabelos crespos/cacheados e a internet foi como um laboratório em que aprendi receitinhas e técnicas (principalmente naturais). Hoje virou um fenômeno e as grandes empresas viram que poderiam ganhar muito dinheiro incluindo a gente como público consumidor. Fico feliz com isso pois passei anos anos invisibilizada e hoje as crespas/cacheadas têm a opção desses produtos específicos que respeitam as particularidades que existem.

Para entender meu cabelo e o que e estava usando nele tive que estudar. Estudar a função do xampu, condicionador, creme de pentear, máscara de hidratação, óleo etc… Entender como cada produto funciona na estrutura capilar. Com isso descobri que a maioria deles contém substâncias químicas que não fazem muito bem a estrutura dos nossos fios.

Como os cosméticos podem fazer mal ao cabelo?

Uma das matérias que me ajudou a entender como essa associação produtos x cabelos funciona foi a da revista de divulgação científica Pesquisa FAPESP (julho/2007), feita pelo jornalista Ricardo Zoretto e intitulada “Fio a Fio: Testes revelam como cosméticos, em muitos casos, danificam o cabelo”.  A matéria divulga testes realizados pela cientista Inés Joekes e sua equipe, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que mostram como esses produtos podem ser danosos a estrutura do cabelo.

O uso do xampu, por exemplo, pode destruir pequenas partículas que modificam a estrutura do cabelo. “O simples uso diário de xampu faz mais do que eliminar as partículas de sujeira, de poluição e o sebo do couro cabeludo que se acumula nos fios. Ele é tão eficiente que remove até mesmo pequenas partes do próprio fio, contribuindo para produzir danos microscópicos em sua estrutura, alterar a cor e torná-lo mais  quebradiço, em especial nas pontas,” expõe o jornalista em seu texto. Os testes ainda apontam que a fricção que fazemos no uso do xampu no couro cabeludo é responsável por 90% dos danos à cutícula e é visível a olho nu através do que chamamos de “ponta dupla”.

Pensando em como esses produtos podem ser agressivos a estrutura dos cabelos cacheados que a Lorraine Massey, autora do best seller Curly Girls e da linha de produtos para cabelos Deva Curl, criou os conceitos No Poo e Low Poo, que tem como princípio a não utilização de xampus ou que não tenham em sua composição o sulfato de sódio, agente causador da espuma. Atualmente linhas de cosméticos industriais como a Lola ou a Yamá criaram fórmulas que atendem essas demandas que o cabelo crespo/cacheado, já que são mais ressecados devido a estrutura dos fios.

Pensando no que pode ser melhor para mim e meu corpo, decidi usar as duas técnicas na lavagem e diminuir o uso de produtos que tenham parabenos, óleo mineral, silicones industriais e sulfato.

Não preciso ter uma farmácia de produtos para cabelo

Até entender o que meu cabelo precisa para ficar saudável passei por vários processos e entre eles foi entender qual produto se adaptava melhor com meu tipo de cacho, por exemplo. Meu maior conflito foi enfrentar a ditadura dos cachos perfeitos e passar horas cuidando do cabelo para que ele fique super definido, sem frizz e volumoso! Cheguei a comprar muita coisa que no final virou lixo ou tornou-se desnecessária. 

Quando engravidei decidi cortar meu cabelo curtinho e a partir daí minha relação com ele mudou por completo. Percebi que não precisava criar nenhum cronograma capilar ou técnica para deixar os cachos perfeitos. Meu cabelo era livre e eu também! Não precisava me tornar escrava de cosméticos e nem ter vários deles para me sentir bem e feliz com meu corpo, afinal cabelo é corpo.

Nessa transformação decidi tomar uma posição política em relação ao meu cabelo, que é buscar cada vez mais o uso de produtos e cosméticos naturais. Essa decisão veio naturalmente e associada a três princípios: resgate das práticas e tradições dos cuidados ancestrais de respeito com o corpo e a natureza; valorização e fortalecimento do empreendedorismo feminino (principalmente o negro); relação saudável e econômica com meu dinheiro.

Babosa é uma planta muito utilizada para fazer hidratações caseiras. É encontrada em feiras livres ou casa de produtos naturais. (Foto da internet)

Hoje digo que consegui ser fiel aos princípios e quando as pessoas me perguntam e pedem dicas do que usar no cabelo, eu sempre indico o que encontramos na natureza ou  - minha relação de amor - os cosméticos da Ewé, feitos por Mona Soares, farmacêutica, fitoaromaterapeuta e artesã de cosméticos naturais.

Perceber as mudanças que o não uso de produtos industriais fizeram no meu cabelo demorou um certo tempo, mas hoje percebo que aquele esforço que eu fazia para mantê-lo hidratado não é mais necessário. Com o uso do xampu sólido, condicionador e um pouquinho de creme de pentear ou óleo de coco ele está lindo e sedoso. E gastando muito pouco (acredite!). Muitas vezes o mito de que produtos naturais ou feitos à mão são caros isentam as pessoas de se permitirem conhecer rotas alternativas, fora a influência que a mídia/publicidade tem sobre a gente. O post “Cosméticos naturais são caros?” do blog Herbalismo e Alquimia, de Mona Soares é maravilhoso e pode te ajudar a desmistificar o consumo de produtos artesanais.

 Quais cosméticos para o cabelo eu uso?

Segue uma listinha do que uso e minha relação com cada produto:

  • Creme de cabelo mel e dendê da Ewé: deixa meu cabelo super hidratado e cheiroso e só uso ele apenas uma vez, após a lavagem. No dayafter sinto que ele tem brilho e maciez suficiente para não precisar de mais nada! Compro na loja virtual da Ewé
  • Óleo de coco natural: compro na feira livre de minha cidade do interior e uso tanto no cabelo após a lavagem (junto com o creme ou sem) e também no corpo substituindo o hidratante;
  • Babosa: uso a baba para hidratar o cabelo junto com a hidratação, acho sempre na feirinha;
  • Condicionador de Andiroba e Copaíba da Ewé: a melhor invenção de todos os tempos, porque muitas vezes uso somente ele pra lavar, pois serve como xampu e condicionador (2em1) e deixa meu cabelo super lindo e hidratado;
  • Creme de pentear Yamasterol (do amarelo): uso após lavagem ou as vezes quando o cabelo ta meio se graça, misturo com água e aplico nele seco;
  • Xampu sólido Ewé (castanha): É um sabonete, no início você pode achar estranho. Sinto meu couro cabeludo bem limpo e não espumam tanto. Na verdade já usei vários, esse é o mais atual. Meu cabelo só não se adaptou o xampu de coco, mas os outros me dei super bem. No blog da Ewé (clique aqui) tem dica de como lavar o cabelo com esse tipo de xampu.
  • Xampu, condicionador e máscara hidratante da Bio Extratus linha Pós-Progressiva: amo muito essa linha e meu cabelo se dá super bem. Não contém muitos produtos que são agressivos ao cabelo como parabenos e o sulfato.
Digo sempre que toda escolha - seja ela qual for - é política. Eu optei por começar por essa e tem feito muito bem, principalmente porque já foi replicada no meu filho que não usa nenhum sabonete industrial. Não quero que ninguém se sinta obrigado a seguir meu ritmo e nem condeno quem usa produtos industriais, mas acredito que é preciso mostrar que existem alternativas para tudo que se faz e consome.

segunda-feira, 28 de março de 2016

O que são essas tais fraldas modernas?



As fraldas modernas (ou ecológicas) lembram aquelas antigas calças enxutas utilizadas por nossas mães e avós, mas diferem porque são feitas de tecidos, como algodão ou malha, e podem ser utilizadas até o desfralde da criança. É uma aposta para quem quer economizar no gasto com fraldas descartáveis e ainda contribui para diminuir a poluição no meio ambiente. Mais charmosas e duráveis, elas dão pouquíssimo trabalho na hora da lavagem e têm pouco índice de desenvolvimento de alergias. 

COMO SÃO FEITAS

As fraldas são feitas em diversos tecidos. A sua composição externa pode ser em algodão, malha de biquíni, Microsoft/soft, pul (tecido importado impermeável), poliamida ou outros tecidos; e composição interna em algodão orgânico, dryfit, carvão de bamboo e Microsoft/soft. Tem fecho de velcro ou  de botões de pressão e podem ser em tamanhos do P ao EX ou em tamanho único com botão de regularem ou elásticos caseados ajustáveis à medida que o bebê cresce (de 3 à 16kg).

Os tipos de fraldas que existem são:
Pocket: fraldas com bolso para inserir o absorvente ou fraldas de pano;
Capa: o absorvente de pano fica em contato direto com a pele do bebê;
Diária: feitas de tecidos mais leves, como o algodão, e são usadas no dia-a-dia;
Noturna: feitas em Microsoft, têm a função de deixar o bebê seco durante toda a noite;
Praia/Piscina: feitas com a mesma malha de biquínis e dryfit (tecido de secagem rápida), essas fraldas podem ser usadas dentro do mar, sem o absorvente, seguram o cocô e aguentam xixi duas vezes.

Interior de uma fralda moderna, modelo Coolababy. Foto da internet

Os absorventes de pano internos podem ser feitos em tecidos como microfibra, carvão de bambo, fraldas de pano, cueiro, microsoft, atoalhado, melton ou qualquer outro tecido absorvente. Alguns podem ficar em contato com a pele do bebê, mas outros causam alergias e só devem ir dentro do bolso da fralda como os de microfibra, por exemplo.

COMO USAR

Quem escolheu a opção de fraldas com bolsos já pode deixá-las montadas em uma gaveta ou estante e trocá-las a cada 3/4  horas ou a depender do fluxo de xixi do seu bebê. Após tirá-la pode armazenar em um balde seco, de preferência com tampa, e lavar dia sim dia não ou a cada dois dias, a depender de sua disponibilidade. No caso das fraldas tamanho único você ajusta os botões ou o elástico de acordo com o tamanho da criança, tomando cuidado com o ajuste das perninhas, local de maior índice de vazamentos.

COMO LAVAR


Primeiro: está terminantemente proibido usar sabão em pó, em barra, alvejante ou amaciante. Esses produtos danificam as fibras do tecido fazendo com que as fraldas impermeabilizem, ou seja, não absorvam mais xixi. Cada pessoa lava de uma maneira e com produtos diferentes e os sugeridos são vinagre branco, bicarbonato de sódio, álcool (preferência o 70%), detergente neutro (de lavar pratos), água oxigenada ou sabão líquido (quantidade mínima para não impermeabilizar a fralda).

Lavagem na máquina ou tanquinho: Nas lavagens diárias desmonto as fraldas e absorventes e faço uma pré-lavagem (molho apenas com água); coloco na máquina de lavar uma colher de sopa de detergente neutro ou sabão líquido para uns 50 litros de água e dois copos americanos de vinagre branco (para tirar o odor de xixi); às vezes coloco umas duas colheres de sopa de bicarbonato de sódio e por fim faço enxague duplo (a opção centrifugar não pode ser utilizada, pois danifica o material). Tem pessoas que optam por lavar apenas com água por causa do cloro que vem no tratamento da água encanada aqui no Brasil. 

Fraldas e absorventes podem ser lavados juntos, mas cuidado: se tiver fraldas com velcro prefira lavá-las separadamente.

Varal de fraldas e absorventes de pano. Foto da internet

Lavagem à mão: Em uma bacia coloco na água todos os itens descritos anteriormente, alterando apenas a quantidade. Dou uma chacoalhada ou esfregada e deixo de molho 20min depois enxáguo.

Como desinfetar: Uma vez por mês faço o processo da seguinte maneira: coloco todos os absorventes eu em uma bacia ou balde com água fervente e bicarbonato de sódio e deixo de molho até esfriiar. A quentura da água ajuda a tirar a impermeabilidade causada pelos produtos e também desinfeta caso tenha alguma bactéria. No caso das fraldas, elas não podem ficar numa temperatura muito quente, por isso coloco-as no balde na água quente do chuveiro com bicarbonato de sódio e depois de esfriar a água, enxáguo. Também aprendi a usar água sanitária em algumas lavagens, uma quantidade mínima, tipo: para 50 litros de água coloquei duas tampinhas de 5ml.

E o cocô? 

Para o cocô de bebês que tomam apenas leite materno minha sugestão é mergulhar tudo na água ou debaixo da torneira e tirar o excesso, depois coloca dentro da máquina ou lava à mão esfregando. Para crianças que já se alimentam e fazem um cocô mais consistente, joga o excesso no vaso sanitário e faz o mesmo procedimento. Também já criei uma pasta com água e bicarbonato de sódio e deixei quarando até a mancha sumir. Se não ficar branquinha e tirar toda a mancha não se preocupe, enxague e deixe no sol que ele tira tudinho. Mas depois que descobri que apenas pendurar ela molhada no varal em direção ao sol resolve o problema parei de fazer isso!

ONDE COMPRAR E CHÁ DE FRALDAS

As fraldas modernas são encontradas principalmente em lojas virtuais e você pode comprar por cartão de crédito, depósito e boleto bancário. Esse serviço inclui taxas como frete que podem variar dependendo do CEP de origem do empreendimento/revendedora. Algumas cidades tem loja física e você pode escolher pessoalmente. Esses empreendimentos também trabalham com o Chá de Fraldas virtual, em que você faz a lista e os/as convidados/as podem comprar pelo site. Em outra postagem apresentarei uma lista de marcas nacionais e revendedoras de fraldas modernas em todo o Brasil e aí você vai poder saber se no seu estado vende ou quem está mais próximo. Você também vai saber sobre o curso online que ensina passo a passo a fabricá-las.

MINHA EXPERIÊNCIA

Investi R$700,00 em fraldas de pano para usar até o desfralde. Atualmente tenho 28, quantidade suficiente para lavar de dois em dois dias. Fiz vaquinha entre amigos e arrecadei cerca de mais da metade do valor, assim comprei novas e usadas de quatro diferentes marcas, todas em tamanho único: Nós e o Davi e Dipano, marcas nacionais, e as importadas Ananbaby, Coolababy e chinesas de nomes desconhecidos. Tenho 4 fraldas de piscina, uma noturna e o restante para o dia-a-dia, todas no estilo pocket. Os absorventes que tenho são em microfibra, fleece, carvão de bamboo, melton e cueiro + atoalhado. Ainda uso as descartáveis às vezes para dormir, ir à rua e em viagens longas.

A minha adaptação com as fraldas de pano foi gradual. Comecei a usar de fato em meu filho – que atualmente tem 8 meses – desde os três meses, porque todas já cabiam nele. Tive problemas com vazamentos laterais, impermeabilização e lavagem. Me sinto mais segura, porém ainda não para deixar meu filho dormir com fralda de pano porque as experiências não foram boas e estou testando novamente. No início a lavagem era à mão, por serem poucas e porque tinha todo um ritual, mas com o aumento da quantidade lavo tudo no tanquinho e isso melhorou o tempo-benefício em 100%. 

Os pontos positivos do uso foram a redução de lixo diário com as fraldas descartáveis, o não aparecimento de assaduras e diminuição nos gastos com compra de fraldas. Os negativos foram a 
adaptação e os vazamentos, porque é tudo processual. Não considero que elas dêem trabalho, porque o mesmo tempo que reservo para lavar as roupas do bebê é o que lavo as fraldas.

Opinião de cada fralda que comprei

Essa foto é do bebê Samuel reproduzida no site da Dipano
Dipano: As fraldas Dipano são para mim uma das melhores, porém o custo dela é muito alto. São grandes e nunca tive problemas com vazamento durante o dia. Meu filho já dormiu com o kit de absorventes noturnos, algumas vezes vazaram xixi e outras não. Atualmente a combinação aborvente noturno de microfibra da Dipano + melton da Nós o Davi dura cerca de 10 horas. Elas são em tamanho único com ajuste de botões e tem estampas lindas. São as minhas preferidas! A empresa é nacional, mas as fraldas são produzidas na China com tecido importado (pul), acredito que por isso elas têm um preço mais salgado.

Nós e o Davi: São produzidas nacionalmente pela mãe empreendedora Laís. Me apaixonei pelo site, as estampas das fraldinhas e o carinho no atendimento ao público. Comprei fraldas com tecido externo em algodão, a noturna e as de piscina/praia. São em tamanho único, com elástico caseado nas pernas e cintura e fecho com botões de pressão. Tive problemas com vazamento nas laterais com as fraldas de algodão, por isso desisti de usar. Em compensação as de praia são ótimas para o calor da Bahia e nunca vazaram – atualmente são as que eu uso. O absorvente de melton que vem junto tem a melhor absorção de xixi também. São as fraldas que melhor se adaptaram ao corpo de meu filho.

Ananbaby: São as mesmas das fraldas Dipano e tem um preço muito menor. A experiência foi a mesma.

Coolababy: São importadas com tecido em pul, tamanho único e ajuste de botões. Como comprei usadas, os elásticos estavam desgastados, mas levei na costureira e ficaram novas. Foram aprovadas no quesito beleza e tamanho. São maiores que as outras, com ajuste extra-grande. O tecido que vai em contato com a pele, carvão de bamboo, é um dos melhores porque não deixa muito molhado, mas ainda tenho problemas com vazamento nas laterais das perninhas.

Chinesas: Essas eu ganhei em uma troca. São em tecido pul, mas achei a forma muito pequena. Porém são boas porque vazam bem pouco. 

O uso das fraldas de pano foi um dos melhores investimentos que fiz para meu filho. Ele nunca apresentou assaduras e nem alergia a nenhum tipo de tecido. Nunca tive problemas com cocô ou manchas e pretendo guardá-las para a próxima cria, quem sabe (risos). Ainda vou testar outras fraldas e absorventes para chegar ao nível de abolir o uso das fraldas descartáveis. 

Ouço muita chacota em relação a essa escolha mas não me arrependo. As pessoas perguntam: “você vai lavar fralda de cocô”? e pensam apenas na comodidade das fraldas descartáveis. Pois eu digo, as fraldas de cocô quem lava é a máquina! Outros dizem: “como são ecológicas se gasta água para lavar”? Lhes digo, as descartáveis gastam muito mais para sempre produzidas! Em suma, cada escolha tem dois lados (ou vários), o importante é respeitá-las. Acompanho um grupo do facebook chamado “Fraldas de pano - Fraldas ecológicas” que tem relatos, dúvidas e também é um espaço de venda de fraldas usadas para quem busca o preço mais em conta.

Ps.: A marca Nós e o Davi tem um canal no youtube que tira várias dúvidas sobre como usar, composição das fraldas, tipo de absorvente e você pode deixar sua pergunta: https://www.youtube.com/channel/UCH4T4Kuyj3PuRZlT7HU5LkA

quinta-feira, 3 de março de 2016

RELATO DE PARTO | Nascimento de Miguel Ifé

Relato do parto domiciliar de meu filho Miguel Ifé, nascido em 07 de agosto de 2015, em Cachoeira, estado da Bahia:

05 de agosto de 2015 – PRÉ-PARTO

Essa seria a minha última consulta de pré-natal. Fui ao posto de saúde para atendimento com a enfermeira que me acompanhou durante a gravidez. Ela auscultou o bebê e mediu a barriga, disse que continuava com a mesma medida da semana passada e que ainda não tinha “descido”. A DPP (data prevista do parto) era dia 07/08, mas ela falou que Ifé poderia nascer até 15 dias após essa data. Eu estava tranquila e pedi para meu filho chegar depois que eu terminasse de arrumar o quarto todo (risos). A enfa estava ciente de que o parto seria domiciliar, acompanhado por uma parteira e para a minha felicidade incentivou muito a minha decisão. Deu orientações sobre amamentação, vacina e pós parto.

06 de agosto de 2015 – TRABALHO DE PARTO

O dia amanheceu lindo! Eu e Filipe (meu companheiro) recebemos o convite e fomos almoçar na casa de uma amiga (Debora). Depois do almoço tirei um cochilo e ao acordar decidi fazer um bolo de chocolate - que saiu uma catástrofe. Acabamos comendo pizza de pão. A parteira, que estava em uma cidade no sul da Bahia ligou por volta de 20 horas para saber como eu estava. Eu disse que tava ótima, que não estava sentindo nada diferente e que era pra ela ficar tranquila pois Ifé esperaria ela chegar. Por incrível que pareça, cerca de meia hora após a ligação senti os primeiros sinais da chegada de Ifé. Fortes dores no pé da barriga e uma vontade imensa de fazer cocô. Fiquei muito irritada e incomodada com as dores e fui para casa com meu companheiro e minha prima (Diamila) – também madrinha espiritual de Ifé -, que decidiu dormir lá para me acompanhar. Em casa as dores se tornaram mais frequentes e fui diversas vezes ao banheiro. Decidimos ligar para a parteira. Falei o que estava sentindo e ela perguntou se havia sangrado. Não havia até eu desligar o telefone e notar um pingo de sangue na calcinha. Ligamos novamente e ela pediu para ficar em observação e havendo necessidade poderíamos ir para o hospital. Sugeriu que eu me deitasse e tentasse dormir. Ela viria no primeiro ônibus para cá, no dia seguinte. Ligamos para a fotógrafa (e amiga! Debora, a mesma amiga que almocei na casa) que era praticamente nossa vizinha e avisamos que estava quase na hora. Já era quase umas 22 horas quando o tampão mucoso saiu e ali minha ficha caiu: Ifé estava para vir. As contrações passaram a ser de 10 em 10 minutos, oscilando entre 8 e 9 min. Conversamos. Estava insegura com a ausência da parteira, mas disse a todos que não iria ao hospital, que meu filho nasceria no nosso lar. A fotógrafa disse que toda decisão seria minha e que se estava certa, precisaria colocar isso em minha cabeça e perder os medos. Acreditei em mim e decidi que aguentaria todo o processo do parto. Em seguida decidimos dormir. As meninas na sala. Eu, Filipe e Kassim (o gato) no quarto. Eu não consegui dormir. O tempo entre uma contração e outra ia diminuindo.

07 de agosto de 2015 – O PARTO

Era madrugada. Deitava na cama e quando a contração vinha me levanta e ia ao banheiro. Kassim me olhava atentamente, ainda bêbado de sono (risos). A cada minuto as contrações ficavam mais fortes, a barriga ficava bem rígida e meu corpo todo se contraía com uma sensação de dor inexplicável. Tomei banho quente umas três vezes no chuveiro enquanto todos dormiam - não aliviou foi nada! Filipe tinha um sono de pedra e não viu nenhuma das vezes que levantei da cama. Por volta das 4 horas da madruga, um “frio de matar”, chamei minha prima e disse que não aguentava mais de dor; perguntei o que podíamos fazer pra amenizar e ela disse que nada, que eu teria que ser forte. Nessa hora Lipe acordou e as meninas foram para nosso quarto. Não gritei, apenas me concentrei na dor. Não tive exame de toque. Foi tudo na intuição. Por volta das cinco horas da manhã Ifé já tinha coroado. Toquei e senti sua cabeça. Agora tinha certeza que não esperaríamos a parteira chegar. Minha prima colocou as luvas e preparou o local para o nascimento. A fotógrafa registrava tudo. Lipe sentou na cadeira e me segurou pelos braços. Fiquei em uma posição meio que sentada. A cada momento da contração eu fazia a força e a cabeça saía. Às vezes eu achava que não seria capaz, mas em silêncio pedia forças aos meus ancestrais e aos espíritos de luz que estavam presentes naquele momento. As meninas ligaram para uma doula amiga nossa para que viesse cortar o cordão. Percebi que este era o momento meu e de meu filho e ele viria a qualquer hora. Minha prima começou a cantar uma canção e me concentrei. Na hora da contração a força era minha e de meu bebê. Às 6h53min ele veio ao mundo de uma só vez, com um grito único de força, amparado pelas mãos da madrinha e direto para os meus braços. Ao ver que era um menino gritei alto: MIGUEL IFÉ. Naquele momento me senti completa. Ele veio ao mundo com 49cm e 3kg.



Todas as dores foram colocadas pra fora. Fui julgada e condenada, mas estava certa de que não queria ter meu filho em um hospital e sofrer violência obstétrica. Foi uma das melhores escolhas da minha vida! Depois de realizar este parto tenho certeza da força que carrego dentro de mim e que nós mulheres devemos sempre ser as protagonistas deste momento único.

Agradecimentos

Ao meu companheiro Filipe, que foi meu braço direito desde o momento que descobrimos a gravidez e que esteve firme e forte no momento final do parto (foi bom ele ter dormido! rs); à minha prima e cumadre Diamila, por ter amparado seu afilhado e pela companhia e energia que emanou; à Debora, madrinha 2 e fotógrafa máster, por todo incentivo e por ter registrado cada momento; à Lais Fernanda por ter atendido ao nosso pedido e ter ajudado a cortar o cordão umbilical. À dona Val, a parteira, mesmo não tendo feito meu parto chegou para ajudar no pós e foi uma grande mãe! Pela energia que emanou na produção da medicina da placenta e pelos banhos no netinho Ifé. À Laiana, Jade e minha mãe Meuri que foram peças fundamentais no pós parto e deram uma super força aqui em casa!

Aos amigos e amigas, família e companheirxs de luta que foram importantes em cada processo da gestação. Digo que este foi um parto de resistência, que terá a mesma intensidade na criação e educação do tão esperado cachoeirano Miguel Ifé!

Por que escrevo sobre preto?


A minha infância e adolescência foram de negação da minha cor, eu me achava “morena” e me sentia o máximo, me apaixonava por caras brancos, cabelo tipo “anjinho”, mandava cartinhas e nunca era correspondida. Com cerca de nove anos eu ouvi de um menino que eu tinha que sair dali (da piscina de um clube) porque eu era neguinha. Hoje tenho 27 anos e essa cena nunca saiu da minha cabeça. Há cerca de nove anos, quando decidi parar de alisar meu cabelo e passar pela transição, percebi como o racismo se manifestou através da estética. Nesse processo me reconheci mulher negra e entendi as diferenças explícitas pregadas na sociedade. 
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Se você acredita, sinto dizer, NÃO SOMOS TODOS IGUAIS. Era pra ser, mas existem diferenças sim. Porque não somos tratados igualmente. Por isso existe o feminismo negro, por exemplo, pelas particularidades que a mulher negra enfrenta. Uma mulher branca nunca vai saber o que é racismo institucional, entender a hipersexualização do corpo ou ouvir que seu cabelo é “duro e ruim”.

Então quando quero escrever sobre a maternidade negra, saúde da população negra, racismo, cabelo crespo e outras coisas que representam o universo negro é porque essas diferenças existem e se manifestam em minhas vivências e preciso combatê-las e evidenciá-las. Uma mãe branca nunca vai ouvir de sua filha – a não ser que ela seja negra – que a coleguinha da escola disse que a cor dela é suja. Uma mãe branca com um filho branco nunca vai ouvir que é babá. Uma mãe branca com um filho branco nunca vai ter que pedir para seu filho não sair porque a polícia ta na rua ou pedir para cortar o cabelo e ou se arrumar para não parecer um marginal. Uma mãe branca nunca vai ouvir que seu corpo aguenta tudo, que sua genética é forte. Uma mãe branca nunca vai ouvir que parto domiciliar é só para artista ou rico.

Se existem diferenças, é porque sempre foi assim. Negro entra pela porta dos fundos, pega o elevador de serviço, não come na mesa principal. Eu vivi e vivo o racismo. Eu neguei meu cabelo e minha cor. Eu ouvi que eu era preta e com esse cabelo eu ficava pior ainda. O racismo me adoeceu, me jogou na cama e eu achei que nem seria capaz de ter meu diploma de nível superior. 

E você ainda vem me dizer que somos todos iguais? Enquanto as pessoas disserem que nós negros somos vitimistas, que tudo é mimimi e que vemos racismo em tudo, vou continuar escrevendo sobre preto e falando das particularidades que somente nós entendemos. No dia que isso acabar excluo blog, facebook e tudo que for relacionado a essa temática. Enquanto isso, “mingula”!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Minha maternidade tem cor: mães negras na luta contra o racismo

“Depois de colocá-la em uma escola particular, em menos de um mês de aula, minha filha - na época com cinco anos - queria ser branca, ficava procurando qual parte de sua pele era branca”. Para Meires Barbosa, universitária, esse tem sido um dos maiores desafios da maternidade negra: o enfretamento ao racismo.

E ela tenta superá-lo mostrando a sua filha Sara, hoje com 8 anos, referenciais negras que vão da estética até aos produtos que consome. “Procuro sempre mostrar para ela que somos bonitas com nossos cabelos crespos. Falo o que passou com o nosso povo, procuro desenhos, brinquedos e livros relacionados à temática racial”, pontua.

Meires sofreu muito preconceito na infância e sua família até hoje não dialoga sobre racismo. Mas ela jurou que com sua filha seria diferente. Está pronta para lutar e “mostrar a beleza da cor, cabelo e traços negros sem abaixar a cabeça”.

Ainda grávida, a mulher negra sofre o racismo institucional presente em muitas instituições públicas e privadas de saúde. Parir essa criança e passar por um enfrentamento diário.
O desafio da maternidade negra que começa desde a gestação e passa pelo aborto com um tema central: o racismo. Desde o institucional, que nega o acesso a serviços de saúde, expõe a mulher negra a diversos tipos de violência obstétrica e não garante informações como aleitamento materno.

A redução da morte materna ainda é um desafio que não foi superado no país e as estatísticas mostram que as mulheres negras são maioria em óbitos. O Relatório Socioeconômico da Mulher - Ano 2014, elaborado pelo Governo Federal, comprovou que a população negra é a que mais morre por causas obstétricas (62,8% de mulheres negras x 35,6% das mulheres brancas).

Racismo na escola

Diante dos dados que mostram o alto índice de mortalidade, para a mulher negra que sobrevive a esse fato, criar seus filhos e filhas significa lutar contra o racismo na família, na rua e, principalmente, na escola; local de frequente reprodução dessa violência.

“Meu filho ganhou um tênis de marca e o colega da escola perguntou se era falsificado. No dia seguinte ele não queria mais calçá-lo. Eu disse que ele tinha que ir”, enfatizou Jadsiane dos Santos, diarista, mãe de três meninos e uma menina.

Para ela, o racismo vem junto com o fator social já que sua família é de baixa renda. Os filhos estudam em colégios particulares custeados de forma colaborativa entre a família, mas não podem participar de todos os projetos e são o tempo todo ironizados pelos colegas de classe.

Casos de racismo na escola vem ganhando repercussão porque muitas mães não silenciam mais. Umas acionam o Ministério Público - principalmente quando a escola minimiza e abafa os casos - ou conversam com a diretoria, expõem o problema, buscam alternativas e sugerem temas e atividades para dialogar em sala de aula, já que muitos professores e professoras não se sentem preparados.

Mães como Meires, que encontrou um caminho para conversar sobre racismo com a turma de sua filha: “Dei algumas indicações de literatura infantil e a professora desenvolveu um trabalho com toda a turma”.

O que podemos fazer por nossas crianças?

Eu sou mãe e sei que meu filho não estará blindado contra o racismo o tempo todo, mas preciso prepará-lo de alguma maneira. Para nós é importante estabelecer este papel de reconhecimento da identidade racial com as crianças e trabalhar o enfrentamento e fortalecimento.

Referenciais são importantes: livros que tragam personagens negros/negras em papéis principais, convívio com pessoas que valorizem a estética negra, frequentar ambientes em que os negros/negras estejam em uma posição de destaque, assistir programas de televisão e filmes que mostrem uma realidade contra-hegemônica e de protagonismo negro, o diálogo diário e palavras de fortalecimento, dentre outros. Precisamos buscar conhecer e contar a história a partir do nosso ponto de vista, tendo a consciência que é um trabalho contínuo.

Esses referenciais são importantes para nosso fortalecimento e reforça o laço da maternidade na luta pelo enfrentamento diário. Representatividade é importante!

O texto original foi publicado no site Brasil de Fato: http://www.brasildefato.com.br/node/33471

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A mulher negra e o acesso à saúde

A minha luta enquanto mulher negra começou quando consegui me observar e me entender enquanto tal. Hoje a responsabilidade é muito maior devido à criança que carrego no ventre e todas as escolhas que fiz e faço para minha gestação e parto.

Tudo começou com o seguinte questionamento: como se dá o acesso e tratamento da saúde à mulher negra gestante no Brasil? A partir daí fiz uma reflexão sobre o acesso à saúde de qualidade e os desafios que nós, mulheres negras, enfrentamos diariamente.

Pesquisei artigos científicos e busquei dados que justificassem minha dúvida e concluí que nos sistemas de saúde brasileiros – seja público ou particular – existe o racismo institucionalizado, que “sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações” (CRI apud Goes e Nascimento, p. 572, 2013).

SUS sem Racismo


Em novembro de 2014 o Ministério da Saúde lançou uma campanha contra o racismo no Sistema Único de Saúde – SUS, “SUS sem Racismo”, com o objetivo de conscientizar a população e os profissionais de saúde a respeito do racismo presente no atendimento médico. Os dados mostraram que existe uma diferença no atendimento entre mulheres negras e brancas com as seguintes estatísticas: mulheres negras recebem menos tempo de atendimento médico que mulheres brancas e compõem 60% das vítimas da mortalidade materna no Brasil. Em relação ao parto, somente 27% das negras tiveram acompanhamento, ao contrário das brancas que somam 46,2%, além de outras diferenças quando se trata anestesias, tempo de espera e informações pós-parto, como aleitamento materno.

Atendimento pré-natal da mulher negra

Durante a minha gestação vivi e ouvi relatos que constatam esta realidade. No meu primeiro atendimento médico pré-natal – particular – fui obrigada junto com meu companheiro a esperar a hora que o profissional quisesse chegar com a seguinte afirmação: “começa a marcar a partir de x horas, mas ele não tem hora pra chegar”. No atendimento me senti um lixo, pois ele mal me olhou e no momento que fiz alguns questionamentos me indicou remédios e não explicou quais mudanças que aconteciam no meu corpo que geravam as alterações. Ao sair chorei muito e disse que não era obrigada a me submeter a este tipo de atendimento.

Busquei outro profissional pelo SUS, muito frio no atendimento, receitou uma série de remédios e não respondeu as minhas dúvidas. Novamente procurei outro obstetra, neste caso particular, porém seu comportamento machista me inquietou muito no consultório. Ao mesmo tempo ouvi relatos de pacientes (negras) que confirmaram sua atitude e diziam que ele ainda as chamava de “gorda” e “feia”. Decidi que este profissional não merece meu dinheiro e nem meu bebê esta energia!

Por fim, o melhor atendimento que encontrei foi em uma Unidade Básica de Saúde, pelo SUS, com uma enfermeira, mãe, humanista, que respondeu e explicou as minhas dúvidas, ficou o tempo necessário comigo no consultório, entendeu e orientou humanamente minhas decisões para o parto.

Ao mesmo tempo em que passei por tudo isso, encontrei gestantes e parturientes negras que relataram momentos de sofrimento em hospitais, negligência, destrato, abandono, falta de orientações e um série de violências obstétricas das quais algumas estavam cientes, porém nada podiam fazer e outras desconheciam seus direitos e consideravam as atitudes médicas louváveis, como a episiotomia sem consentimento (corte na região do períneo) e manobra de Kristeller (expulsão do bebê subindo na barriga).

Desafios

“As desigualdades raciais determinam o acesso aos serviços de saúde e limitam o cuidado. Por intermédio do racismo, as desigualdades são causadoras de doenças e agravos que resultam nas iniquidades raciais em saúde. E, para as mulheres negras, outros fatores agregados, como o sexismo, expõem a uma situação de vulnerabilidade e violam o direito à saúde e ao acesso qualificado” (Goes e Nascimento, p. 578).

Penso que nosso desafio por uma saúde de qualidade e sem racismo/sexismo é grande. Estamos submetidas a esse tipo de atendimento principalmente devido a falta de informação e direitos. O que podemos fazer é divulgar a existência do racismo institucional e denunciar para que campanhas e ações estratégicas atinjam os profissionais e a população para que este fato não se torne invisível.

Minha contribuição enquanto mulher negra e atualmente gestante é mostrar que nós somos fortes o suficiente não para aguentar uma violência obstétrica, mas para sermos as protagonistas do nosso parto.

Fontes

GOES, Emanuelle; NASCIMENTO, Enilda. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde em Debate, vo.l 37, n. 99, Rio de Janeiro, 2013.

SUS sem Racismo, página no facebook. Disponível em: http://facebook.com/SUSnasRedes

ARRAES, Jarid. Mulher negra e saúde: “a invisibilidade adoece e mata!”. Revista Fórum Semanal, dezembro 2014. Disponível em: http://revistaforum.com.br/digital/176/mulher-negra-e-saude-invisibilidade-adoece-e-mata/