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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Minha maternidade tem cor: mães negras na luta contra o racismo

“Depois de colocá-la em uma escola particular, em menos de um mês de aula, minha filha - na época com cinco anos - queria ser branca, ficava procurando qual parte de sua pele era branca”. Para Meires Barbosa, universitária, esse tem sido um dos maiores desafios da maternidade negra: o enfretamento ao racismo.

E ela tenta superá-lo mostrando a sua filha Sara, hoje com 8 anos, referenciais negras que vão da estética até aos produtos que consome. “Procuro sempre mostrar para ela que somos bonitas com nossos cabelos crespos. Falo o que passou com o nosso povo, procuro desenhos, brinquedos e livros relacionados à temática racial”, pontua.

Meires sofreu muito preconceito na infância e sua família até hoje não dialoga sobre racismo. Mas ela jurou que com sua filha seria diferente. Está pronta para lutar e “mostrar a beleza da cor, cabelo e traços negros sem abaixar a cabeça”.

Ainda grávida, a mulher negra sofre o racismo institucional presente em muitas instituições públicas e privadas de saúde. Parir essa criança e passar por um enfrentamento diário.
O desafio da maternidade negra que começa desde a gestação e passa pelo aborto com um tema central: o racismo. Desde o institucional, que nega o acesso a serviços de saúde, expõe a mulher negra a diversos tipos de violência obstétrica e não garante informações como aleitamento materno.

A redução da morte materna ainda é um desafio que não foi superado no país e as estatísticas mostram que as mulheres negras são maioria em óbitos. O Relatório Socioeconômico da Mulher - Ano 2014, elaborado pelo Governo Federal, comprovou que a população negra é a que mais morre por causas obstétricas (62,8% de mulheres negras x 35,6% das mulheres brancas).

Racismo na escola

Diante dos dados que mostram o alto índice de mortalidade, para a mulher negra que sobrevive a esse fato, criar seus filhos e filhas significa lutar contra o racismo na família, na rua e, principalmente, na escola; local de frequente reprodução dessa violência.

“Meu filho ganhou um tênis de marca e o colega da escola perguntou se era falsificado. No dia seguinte ele não queria mais calçá-lo. Eu disse que ele tinha que ir”, enfatizou Jadsiane dos Santos, diarista, mãe de três meninos e uma menina.

Para ela, o racismo vem junto com o fator social já que sua família é de baixa renda. Os filhos estudam em colégios particulares custeados de forma colaborativa entre a família, mas não podem participar de todos os projetos e são o tempo todo ironizados pelos colegas de classe.

Casos de racismo na escola vem ganhando repercussão porque muitas mães não silenciam mais. Umas acionam o Ministério Público - principalmente quando a escola minimiza e abafa os casos - ou conversam com a diretoria, expõem o problema, buscam alternativas e sugerem temas e atividades para dialogar em sala de aula, já que muitos professores e professoras não se sentem preparados.

Mães como Meires, que encontrou um caminho para conversar sobre racismo com a turma de sua filha: “Dei algumas indicações de literatura infantil e a professora desenvolveu um trabalho com toda a turma”.

O que podemos fazer por nossas crianças?

Eu sou mãe e sei que meu filho não estará blindado contra o racismo o tempo todo, mas preciso prepará-lo de alguma maneira. Para nós é importante estabelecer este papel de reconhecimento da identidade racial com as crianças e trabalhar o enfrentamento e fortalecimento.

Referenciais são importantes: livros que tragam personagens negros/negras em papéis principais, convívio com pessoas que valorizem a estética negra, frequentar ambientes em que os negros/negras estejam em uma posição de destaque, assistir programas de televisão e filmes que mostrem uma realidade contra-hegemônica e de protagonismo negro, o diálogo diário e palavras de fortalecimento, dentre outros. Precisamos buscar conhecer e contar a história a partir do nosso ponto de vista, tendo a consciência que é um trabalho contínuo.

Esses referenciais são importantes para nosso fortalecimento e reforça o laço da maternidade na luta pelo enfrentamento diário. Representatividade é importante!

O texto original foi publicado no site Brasil de Fato: http://www.brasildefato.com.br/node/33471