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quinta-feira, 3 de março de 2016

Por que escrevo sobre preto?


A minha infância e adolescência foram de negação da minha cor, eu me achava “morena” e me sentia o máximo, me apaixonava por caras brancos, cabelo tipo “anjinho”, mandava cartinhas e nunca era correspondida. Com cerca de nove anos eu ouvi de um menino que eu tinha que sair dali (da piscina de um clube) porque eu era neguinha. Hoje tenho 27 anos e essa cena nunca saiu da minha cabeça. Há cerca de nove anos, quando decidi parar de alisar meu cabelo e passar pela transição, percebi como o racismo se manifestou através da estética. Nesse processo me reconheci mulher negra e entendi as diferenças explícitas pregadas na sociedade. 
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Se você acredita, sinto dizer, NÃO SOMOS TODOS IGUAIS. Era pra ser, mas existem diferenças sim. Porque não somos tratados igualmente. Por isso existe o feminismo negro, por exemplo, pelas particularidades que a mulher negra enfrenta. Uma mulher branca nunca vai saber o que é racismo institucional, entender a hipersexualização do corpo ou ouvir que seu cabelo é “duro e ruim”.

Então quando quero escrever sobre a maternidade negra, saúde da população negra, racismo, cabelo crespo e outras coisas que representam o universo negro é porque essas diferenças existem e se manifestam em minhas vivências e preciso combatê-las e evidenciá-las. Uma mãe branca nunca vai ouvir de sua filha – a não ser que ela seja negra – que a coleguinha da escola disse que a cor dela é suja. Uma mãe branca com um filho branco nunca vai ouvir que é babá. Uma mãe branca com um filho branco nunca vai ter que pedir para seu filho não sair porque a polícia ta na rua ou pedir para cortar o cabelo e ou se arrumar para não parecer um marginal. Uma mãe branca nunca vai ouvir que seu corpo aguenta tudo, que sua genética é forte. Uma mãe branca nunca vai ouvir que parto domiciliar é só para artista ou rico.

Se existem diferenças, é porque sempre foi assim. Negro entra pela porta dos fundos, pega o elevador de serviço, não come na mesa principal. Eu vivi e vivo o racismo. Eu neguei meu cabelo e minha cor. Eu ouvi que eu era preta e com esse cabelo eu ficava pior ainda. O racismo me adoeceu, me jogou na cama e eu achei que nem seria capaz de ter meu diploma de nível superior. 

E você ainda vem me dizer que somos todos iguais? Enquanto as pessoas disserem que nós negros somos vitimistas, que tudo é mimimi e que vemos racismo em tudo, vou continuar escrevendo sobre preto e falando das particularidades que somente nós entendemos. No dia que isso acabar excluo blog, facebook e tudo que for relacionado a essa temática. Enquanto isso, “mingula”!

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